domingo, 12 de setembro de 2010

Papo entre bandas...

Participo de uma lista de e-mails e debates chamada "Bandas Fora do Eixo", lá todas as bandas que fazem parte de coletivos, bandas parceiras e bandas interessadas, debatem sobre temas variados sobre bandas, circulação, festival, cachê, e demais assuntos que tem relação com as bandas.

Num dos tópicos, rolando um debate, o Fábio Pedroza baixista do Móveis, que também faz parte do Núcleo de Música do Fora do Eixo, fez um depoimento-relato super interessante que eu não pensei duas vezes antes de compartilhar ele aqui, já que temos muitas bandas/integrantes que acompanham nosso blog, isso pode ser interessante pra esclarecer algo, ou no máximo piorar tudo de vez (mas acho que não hein, rs).

(Bárbara Andrade - Coletivo Megafônica)


Fabio Pedroza

baixo

ex-professor de sociologia, ensino médio

23/04

Lund - Suécia

Galera, vou falar um pouco da experiência do móveis coloniais de acaju.
é um tanto diferente, por um lado, pela cidade que estamos, pela época em que começamos, pelo tamanho da banda e por aí vai.
mas ao mesmo tempo é bem parecida com vários outros casos.

se você estiver com tempo o paciência, comece por aqui, caso contrário, pule para o final do email, na versão reduzida! hehe

o móveis começou em 1998, como uma banda de amigos e colegas da escola por pura diversão. vivíamos o contexto do final dos anos 90 em brasília que foi muito produtivo, com muitas bandas, muitos shows (todas terças, quintas, sextas e sábado!!), bandas tocando fora (nos circuitos que existiam principalmente no interior de são paulo), bandas que foram lançadas no modelo antigo de gravadoras (raimundos, maskavo roots, little quail and the mad birds), vários estúdios (de onde, inclusive surgiu o festival porão do rock) e produtores.

pegamos o final disso e talvez, por isso, tenhamos algumas características dessa época, apesar de sermos da geração seguinte.

pois bem, o primeiro show do móveis foi organizado pela própria banda no esquema mais tosco que você possa imaginar. eu estava lá como público, conhecia a galera, mas só fui entrar na banda em meados de 1999.

até o início de 2000, fazíamos alguns poucos shows, uns 5 por ano, todos em bsb, vários produzidos pela banda (em festa em escola de inglês, shows em parceria com o grêmio da escola que estudávamos) ou de outros produtores. o esquema era o seguinte: ensaio sábado na hora do almoço, saíamos de lá e falávamos "vamos no conic tentar uns shows?" e assim corríamos por todas as lojas do complexo do conic (muitas de skate, quadrinhos, etc). tocamos em shows de hc, ska, reggae, hip-hop numetal (muito comum aqui em bsb na época), não importava o estilo, era show, estávamos lá.

em 2000 fomos chamados para abrir o palco principal do porão do rock. primeiro grande show ou mesmo primeiro show que escutei o baixo e todos os instrumentos! foi surreal! na época não tínhamos terminado a gravação do ep, mas pegamos do jeito que estava e fizemos umas 200 cópias caseiras, com uma arte especial para o evento. distribuímos para produtores, bandas e público. fizemos aí também nossas primeiras camisetas que distribuímos para a galera que chegou cedo e foi nos ver.

Show de lançamento do CD "Ídem"

como resultado, fomos chamados para uns 6 shows depois do porão, fizemos os primeiros contatos com pessoas que anos depois (2, 5 e até mesmo 8!) se tornaram grandes parceiros. mas na época não entendemos isso, que o tempo não é o do dia para o outro, que precisamos de muitos passos antes das coisas se transformarem. mas voltando...

lá conhecemos o bruno kaskata, o grande cara do ska brasileiro. ele curtiu a banda e chamou para abrirmos o show do voodoo glus skulls!! imaginem só, você ser chamado para abrir o show de uma banda que é referência, que vc fazia cover!!?! nem pensamos, de todos os convites que já tínhamos para tocar fora, esse valia a pena pagar para ir! dividimos um ônibus com a outra banda de bsb que ia abrir também (o bois de gerião) e vendemos os outros lugares restantes para os amigos que queriam ir pro show. com isso tivemos um gasto mínimo e as pessoas pagaram bem menos (lembrando que naquela época não existia gol - das antigas, webjet e outras cia. aéreas com preços mais baixos, o ônibus ainda era bem mais barato).

show no hangar 110, sonho de qualquer banda de ska/hc de bsb! casa lotada, mais de mil pessoas, um calor absurdo (quase igual aos shows no martim e em hellcity!! hehe) e uma ótima receptividade. várias pessoas vieram falar com a gente, foi muito bom! o grande erro? não ter material algum... a fábrica atrasou o ep por duas semanas.. o que era o timing perfeito acabou sendo a maior decepção.

na época, ep era lançado em k7, "disco full" era em cd, mas ep, demo, não. mas tínhamos gastado tanto tempo e tanto dinheiro com a gravação (ok, 1800,00 pode não ser muita coisa, mas para uma banda iniciante, em 1999, que não tinha recebido um único cachê, foi foda..) e vimos o resultado negativo de uma outra banda que despontava na mesma época e tinha gravado no mesmo estúdio e lançado em k7, que decidimos fazer o ep em cd mesmo. o kaskata deu o toque de como fazer mais barato, prensando o cd e fazendo a capinha em uma outra gráfica para depois montarmos as duas coisas em casa. deu certo, cada cd ficou apenas 0,65 mais caros do que fazer em k7.

enfim, só para mostrar que os erros servem muito para crescermos!
dando um salto, até 2002 fizemos apenas uns 2 shows fora de bsb, em goiânia. mas tocamos muito aqui em bsb. continuamos com esse esquema de correr e tentar fechar shows (tocamos em todos os buracos e tipos de eventos), fizemos mais algumas produções. o lançamento do ep no final de 2000 foi um marco pra cena. em parceria com o lançamento de outra banda, fizemos dois shows no mesmo dia no mesmo lugar. um sem bebida alcoólica para pegar o público menor e outra a noite. maior lotação da casa (500 pessoas por sessão) e vendemos 200 eps!

em 2003, já com muita bagagem e um certo público (umas 400-500 pessoas por show), já dentro do circuito universitário, fizemos 27 shows, sendo apenas 2 fora, mais uma vez em goiânia.

no mesmo ano, quando participamos do Brasília Music Festival, como única banda da cidade a tocar no palco principal, tivemos de montar uma estrutura própria. chamamos um produtor que trabalha na área de teatro, acertamos um valor para aquele show e montamos uma equipe com técnico de pa, iluminador e chamamos um amigo para ser roadie. acertamos um cachê com cada um, bem menos do que o mercado oferecia e eles mereciam (mas hoje são grandes parceiros e alguns ainda trabalham com gente), conforme o que podíamos pagar. nessa época já não gastávamos dinheiro com a banda. tudo o que entrava ia para um caixa único e era gasto com o aluguel de um estúdio (dividíamos com outras duas bandas um estúdio), material novo, correios, etc. mas não tirávamos para os músicos (só para repor o que por ventura tínhamos de adiantar). depois do BMF, chamamos o fabrício ofuji que era amigo de longas datas, já tinha tido uma banda com o beto e conhecia muito bem o cenário dos anos 90 e início dos anos 2000 para trabalhar assessoria de imprensa (ele trabalhou no festival e conseguiu muitos contatos e entrevistas para a gente!). e aí tudo mudou. tivemos de aprender a trabalhar com uma pessoa que não era músico e que aos poucos foi ganhando a confiança e cada vez mais espaço, passando a ser empresário, produtor, roadie, etc, etc. isso foi muito importante para que ele entendesse como a gente trabalhava, o que queríamos, onde queríamos chegar.

digo geralmente que esse foi o ano do início da profissionalização do móveis: site no ar com todas as músicas de graça para download, estruturação de uma equipe mínima fixa e contato com outras pessoas para trabalhamos maiores, auto-suficiência da banda (mas ainda não remunerando seus músicos), estúdio próprio e por aí vai.

em 2004 foram apenas 12 shows (10 em bsb e 2 em gyn) pois ficamos 4 meses sem o andré o móveis e passamos a maior parte de estúdio ensaiando, compondo e gravando o primeiro disco, o idem.

em maio 2005 fizemos o lançamento do idem, numa festa-show organizada em 3 semanas em que tivemos mais de 3500 pessoas e 2007 cds vendidos em 9 dias!! ali foi a base para aprendermos a produzir e dar gás para novos projetos, como o convida (que começou no final do mesmo ano).

foram 36 show no ano! 2 gyn, 1 são paulo, 2 curitiba e 3 no rio de janeiro. os outros 28 shows foram em bsb.

e depois não paramos mais também. mas sempre nos preocupando com brasília, em manter uma rotina de shows aqui (claro que hoje não podemos fazer mais do que 5-6 shows na cidade, mas em cada momento esse número foi um), diversificar e renovar o público, garantir um caixa para investimentos fora da cidade.

além disso, tentamos trabalhar nas outras cidades da mesma maneira que fizemos aqui, passos de formiga, contato com o público, fidelização, contato com mídias e produtores locais estabelecendo parcerias e investimentos mútuos.

tivemos de recusar muitos shows fora de bsb? poderíamos ter circulado mais e mais? provavelmente. mas só para dar um exemplo, em 2006, um ano depois do lançamento, fizemos 38 shows, sendo 21 fora, 3 em outras cidades do df e "apenas" 14 em bsb. uma baita inversão.

com essa prática, conseguimos criar um sistema sustentável tanto para a banda (desde de 2003 temos um crescimento bruto de arrecadação que varia entre 90-95%!) como para os músicos (vivo apenas do meu trabalho com o móveis). já vendemos mais de 7mil cópias do idem, 3mil do c_mpl_te, mais de meio milhão de músicas do c_mpl_te baixadas no álbum cirtual, uma média de arrecadação de mil reais por show em vendas de produtos (com a entrada dos cds "slims" a R$ 5,00, conseguimos aumentar a venda de cds de uma média de 10 por show para 112!!!).

isso pra falar apenas em termos econômicos, porque se for falar dos aspectos afetivos, simbólicos e subjetivos, não tem email para colocar tudo que já conquistamos. mais ainda falta muito!!!!

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formato reduzido do email:
- cada banda tem de buscar uma maneira que lhe agrade e que possa funcionar para o seu modelo e objetivos;

- acho que vale mais a pena ir com calma e criar base para uma sustentabilidade. conquiste primeiro sua cidade, depois as cidades vizinhas, depois a região ou, a partir de uma outra cidade mais longe, as cidades vizinhas a ela ou a região que ela se encontra;

- não se esqueça que isso tudo demora e tem de demorar! se acharmos que vamos circular e viver disso do dia para a noite não teremos um pensamento muito diferente daqueles que acreditam que uma gravadora irá ver seu show e te lançar nacionalmente;

- o fde tem uma rede nacional, mas não se esquema que eles demoraram alguns anos para criar e fortalecer essa rede, pense em adaptar esse e outros modelos para o seu contexto;

- tenho muita vontade de tocar em manaus (exemplo), mas se ainda não fui (ou, melhor, não consegui ir) é porque não estava na hora, mas essa hora vai chegar e vou saber aproveitar muito bem a oportunidade

- conheça o nosso sistema aéreo e rodoviário, mapeie TODAS as empresas, principalmente aquelas que fretam vans e micro-ônibus/ônibus da sua cidade/região;

- nem sempre o mais barato é o melhor, quase perdemos um show porque achamos melhor pegar um motorista e um ônibus mais barato e o cara era muito enrolado, chegamos nas últimas 3 músicas da banda anterior!

- continuando o mapeamento, se você tocar em algum festival, casa ou o que for, anote todos os telefones e contatos dos fornecedores que seus contratantes utilizaram, eles podem ser - e serão - úteis no futuro;

- não dê um passo maior do que a sua perna. ou melhor, se for dar, saiba para onde ele está te levando e quais suas consequências;

- grave um cd em casa, imprima uma capinha simples na sua impressora mesmo e distribua a sua música! principalmente para roadies, seguranças, motoristas, atendentes, recepcionistas e todas as pessoas que não estiverem vendo o seu show, esses são públicos em potencial!

- não tenha medo de perguntar, para quem for, o que for. o não, você já tem, mas alguma coisa pode sair de lá e isso é um ganho sem tamanho!

enfim, vou parar que já enchi a caixa de vocês... hehehe
desculpem o tamanho do email ou qualquer coisa que possa ter parecido equivocada, prepotente, ou o que for. não sou dono de verdade alguma, só sei o que vive e experimentei.
Abraços,
Fabio

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